15/05/2013

O Monstro do Amor - Ocultos Buracos


A colectânea “Ocultos Buracos” é uma obra da Pastelaria Studios Editora  onde os vários autores, dando largas à imaginação, escreveram Histórias Horríveis ou Impossíveis. Esta é a minha história impossível nesta colectânea.


O Monstro Do Amor

O tempo passara rápido, tão rápido que nem dei pelas primeiras estrelas se erguerem no céu. Deambulando por ali e tentando afastar a melancolia que me preenchia a alma sentei-me no chão macio de capim quase ressequido pelo calor da planície e fiquei a observar os últimos raios de sol daquele dia, que fora mais um daqueles em que as estrelas se incendeiam antes de chegarem à noite. E num ápice, o sol já se recolhera no horizonte do seu descanso nocturno, deixando-as apenas a elas, as estrelas que eu via erguerem-se uma a uma no céu de veludo que brevemente seria negro...

- Não tarda e a lua aparecerá bem lá no alto qual rainha dos céus.

Sem que eu tivesse tempo nem mesmo para me refazer do susto e já aquela criatura se sentava ao meu lado fazendo-me sentir tal arrepio pelo corpo acima que a minha única reacção foi apertar-me com os meus próprios braços, abraçando-me a mim mesma. Não o tinha sentido aproximar-se, estava talvez demasiado concentrada na minha imensurável melancolia mas a verdade é que aquele ser de aparência esquisita veio em pezinhos de lã.

- A lua, a linda rainha dos céus está quase a chegar. – Repetiu, fazendo com que me virasse na sua direcção e como que com um íman os seus olhos atraíssem os meus, ao contrário do que tinha visto antes, que me parecera um monstro de um filme de terror, via agora um olhar meigo que me envolvia com toda a ternura do mundo. Era magnético aquele olhar castanho de mel, adoçava-me por completo o espírito e a alma. A melancolia que me levara para ali desaparecia completamente e a voz saiu-me num sussurro.

- Sim, a lua…

- Hoje é lua cheia e eu sei que tu adoras a lua cheia.

Sim, é verdade que nutro um certo fascínio pelas noites de lua cheia. A noite da planície iluminada, apenas, pelo brilho da lua cheia assemelha-se ao mais belo quadro que algum pintor jamais pintou. Mas como é que alguém que eu nunca vira sabia deste meu fascínio? A não ser que… não, não podia ser. A única pessoa que me provocava aquelas sensações era alguém por quem eu me vinha apaixonando e que as minhas amigas apelidavam de monstro, mas ele não era monstro, era tão bonito no seu porte de homem sensual, o rapaz mais bonito do liceu. Como é que alguém podia dizer que aquele rapaz de olhos castanhos de mel e corpo musculado, na medida certa, era um monstro?

Definitivamente não era ele. Mas sentia-me tão bem naquele abraço em que o seu olhar me envolvia. Aproximei-me mais e pude ver os lábios que emolduravam um sorriso estampado numa boca perfeita. Senti vontade de o beijar. Possuída por um impulso momentâneo cerrei as pálpebras e fiquei de boca entreaberta para saborear o beijo, senti-o aproximar-se, o hálito macio e os lábios quase colados aos meus disseram-me que o seu olhar passava de ternurento a apaixonado. O beijo foi delicado mas intenso, exigente e de total entrega. E eu, eu abandonei-me por completo ao deleite que aquela boca espalhava por todo o meu corpo.

Devagar e enquanto, com o olhar me aprisionava a alma, vestiu o meu corpo de caricias, mãos de seda que me faziam alcançar as nuvens e, na noite, choveu. Choveu uma chuva de prata que o fez inundar-se de mim, quando para me proteger, poisou o seu corpo sobre o meu. E juntos olhámos o céu. Nada mais existiu para além dos corpos sintonizados com a natureza… e a lua. A lua que desde que subira sobre o manto de veludo negro se tornara nossa cúmplice. Cantos de anjos se entoaram nos céus, desafiando o meu Deus, o meu Deus grego do amor, a entoar com eles a paixão. E assim se compuseram as mais belas melodias de amor.

Depois, depois a dança de uma coreografia arrojada sob o olhar cúmplice da lua, até aos últimos passos que explodiram em êxtases de corpos e almas fundidos num só.

E finalmente, paz! A paz dos espíritos que num mundo de total serenidade se pertencem.

Senti a felicidade em toda a sua plenitude e quase jurava que ele também. Entre promessas e beijos adormecemos… até que os primeiros raios de sol anunciaram a alvorada.

- Tu não és um monstro… - Soltaram-se-me da boca, as palavras, antes mesmo que o meu raciocínio, ainda adormecido, as pudesse processar.

-…?!

- Ontem à noite estavas diferente.

- Diferente, como?

-Eras um monstro… um monstro amoroso.

- O teu monstro do amor?

- Sim, o meu monstro amado!

12/05/2013

A Ti, Enfermeiro

 
Ciência ou arte…
é o dom de cuidar.
Cuidar do corpo, cuidar da alma,
amenizar o sofrimento e a dor…
cuidar da vida com amor,
assim como o jardineiro cuida da flor.
Tu, ENFERMEIRO
que zelas à cabeceira das fés perdidas,
descobres forças desmedidas,
e estrelas nascem na tua mão.
Chegas serenamente, máscara de calma
na tua face, voz de esperança. Seguramente,
és gente que cuida de gente…!
 

11/05/2013

Histórias Sobre Fotografias: Foz do Douro - Porto


Não tinha hora certa, era quando o coração se lhe apertava com saudades do mar. Calçava as galochas, vestia o velho casaco de marinheiro e descia, ligeiro, até à foz. Ficava ali por tempo indeterminado, nem ele mesmo sabia se eram horas ou dias, que duravam os êxtases que o prendiam entre o estuário do rio e a longitude do mar. A cana de pesca era um mero acessório, jamais levara um peixe para casa. Quando algum, por descuido, mordia o anzol, oferecia-o às gaivotas que em troca lhe contavam histórias de outros mares.

Desde sempre, que era esse o fascínio que nutria pelo mar. O mar tocava outras terras, outros continentes, e conhecia outras gentes. O mar trazia notícias de mundos diferentes. Mundos que ele sempre sonhara conquistar. Nunca tinha ido para lá da praia, nem mesmo conhecia, por dentro, um grande navio, mas gostava de navegar. Oh, se gostava! Ali, mesmo, naquele cantinho da foz, quantas viagens de circum-navegação não tinha já feito? Nem lhes sabia a conta. Era só embarcar num sonho e o mar abria-lhe caminho para a aventura, levava-o por ventos e tempestades, ondas calmas ou revoltas… até ao infinito das marés.