23/05/2018

O Sonho do João - Parte IV

Pintura de Nívea Lopes Prado


Viu um mundo desconhecido.
Tão diferente e tão igual, na beleza
e nas sensações que experimentou.
Sentia-se bastante mais enriquecido,
quando voltou para  a terra
e desceu da estrela, com total destreza.
Despediu-se da companheira
e no momento, houve algo em que pensou.
Algo que o fez sentir tristeza.
Em algumas zonas do planeta, viu guerra.




Não era bonito de se ver,
imagens de tanto sofrimento.
Aqueles senhores que fazem a guerra
não teriam nenhum sentimento?
O João pensou que, com certeza,
haveria uma maneira de resolver
os conflitos dessa gente grande.
Trocar por esperança, a avareza
do mal que se expande
e entrega-la às crianças a crescer.  




21/05/2018

O Sonho do João - Parte III

Quadro do pintor espanhol Pere Borrell del Caso

Mesmo a medo, ele avançou.
Não era pessoa de desistir
e o sonho era tão forte,
que lhe deu a força para subir.
De uma só vez, escalou a altura.
Percebeu como a estrela era macia
e deitou-se de barriga para baixo.
Apoiado nos cotovelos, viu noite escura
e a terra coberta de maresia,
àquela hora da brisa do norte.




Era uma visão limitada.
Percebeu, quando iniciou a subida
e o universo começou a crescer.
Ficava mais pequeno, na verdade,
mas via cada vez mais zonas,
 que sempre sonhou conhecer.
O planeta onde morava,
que todos lhe diziam ser azul,
apenas o via ficar brilhante
à medida que deslizava para sul.




E quando a estrela descia em altura,
via tudo muito mais definido.
 No mundo, as diferenças surgiam
a cada mudança de posição.
Quando passou no hemisfério norte,
sentiu frio e muita tremura,
enquanto no sul, sentiu o pleno Verão.
No oriente, encontrava dia,
ao mesmo tempo que, indo a ocidente,
passeava na escura noite.




18/05/2018

O Sonho do João - Parte II


Pintura de Cesare Pergola

Levantou-se e foi para a janela.
Pôs-se a olhar para o céu,  
com a expressão de quem sonha.
Viu uma centelha luminosa,
que avançava no escuro de breu.
- Mas que imagem tão bela!
Exclamou, com voz melodiosa.
Não acreditava em tão bela visão.
Era uma sorte tamanha,
encontrar ali a sua solução.



Aproximando-se pouco a pouco,
a centelha transformou-se em estrela.
- Não, não posso estar louco…
- baixinho, o João murmurou.
De olhos arregalados, olhou para ela.
Viu-a pôr-se a jeito para ele subir,
mas ele assustou-se e recuou.
- Com certeza, estou a dormir,
as estrelas não entendem a gente,
nem sabem o que a gente sente.


Ainda assim, a estrela ficou ali,
como que a chama-lo.
Não se lhe ouvia a voz,  
era apenas um luminoso clarão,
mas no coração, o João sentia
que devia confiar e ir.
Como que a encoraja-lo,
algo dentro de si lhe dizia:
- a estrela está aqui só por ti, 
para te levar pelo céu a passear.  



17/05/2018

O Sonho do João - Parte I

Pintura de Marcela Oliveira de Faria

O João tinha um sonho,
um sonho muito audaz.
Sonhava ver o mundo
lá de cima de uma estrela,
mas não sabia se era capaz.
Às vezes, até conseguia vê-la,
por uma fracção de segundo.  
E então, com o seu ar risonho,
imaginava-se a descolar.
Sobre ela, subir aos céus e viajar.





Mas tudo não passava
de um delírio da imaginação.
Logo tornava a pôr os pés no chão
e de cabeça baixa, caminhava
por todo o seu jardim
sem acreditar que não voava.
Ia do princípio ao fim,
à espera de encontrar a solução.
Quem procura sempre acha,
desistir do sonho é que não.





Até que um dia, pela noite,
já deitado na sua cama,
contava carneiros para adormecer.
O sono tardava em chegar,
não sabia o que havia de fazer.
Os pensamentos não paravam,
atingiam-no como açoites,
ou como sentimento que chama,
com a urgência de encontrar 




06/05/2018

A Partilha

Pintura: As Irmãs de Renoir

Elas eram grandes amigas. Partilhavam as brincadeiras, os segredos e as confidências de criança… e partilhavam também o caminho para a escola. Naquele tempo, lá no longínquo início dos anos cinquenta do século XX, as escolas ficavam longe, para as meninas e meninos que moravam no campo. Por vezes, percorriam diariamente longas distâncias a pé. Aqueles que tinham o privilégio de poder ir à escola. Quantas vezes, ou porque os pais precisavam do trabalho deles, ou porque não estavam despertos para os benefícios da escolaridade, simplesmente não iam.
Elas as duas, uma porque os pais podiam prescindir do seu trabalho, outra porque os pais nem trabalho tinham para a ocupar, iam. Todos os dias de manhã, com a bolsa dos livros, cadernos e lápis às costas e a lancheira na mão, andavam os quilómetros que as separavam de um futuro mais iluminado pelo saber ler e escrever.
Na lancheira levavam o almoço, e era ai que estava o que as distanciava. Mas que mais que isso as aproximava. A uma, a mãe procurava sempre os melhores “petiscos” para lhe enviar merendas variadas, à outra a mãe só tinha cebola frita com pão para lhe enviar. Mas, porque eram grandes amigas, a que levava merendas variadas sempre as partilhava com a amiga.




Há mães que nos inspiram para a uma certa maneira de ser, apenas com as suas histórias de vida.